Adaptação de Boca de Ouro esvazia obra de Nelson Rodrigues

Boca de Ouro

Encenada originalmente em 1960 em São Paulo, sob a direção e o protagonismo do diretor polonês Ziembinski, Boca de Ouro nunca foi exatamente uma das melhores peças da (magistral) obra construída por Nelson Rodrigues. Autor de clássicos da tragédia carioca, o dramaturgo demonstrava alguns sinais de desgaste nesse texto que buscava inspiração, principalmente, em seus anos como jornalista cobrindo a fina flor dos crimes cariocas. 

Contudo, algumas adaptações ao longo dos anos emprestaram certo vigor ao espetáculo, que sempre se valeu da presença de alguma figura carismática para dar vida ao Drácula de Madureira, como a personagem é reconhecida. Em 2012 e em 2017, respectivamente, os diretores Eloisa Vitz e Gabriel Vilella encenaram suas próprias versões do espetáculo, com montagens robustas, se alicerçando no potencial trágico (Vitz) ou cômico (Vilella). 

Em cartaz no Teatro do Sesc Santo Amaro desde a última quinta-feira, 16, em curta temporada, a visão do Grupo Oficcina Multimédia para a obra que o tempo deu status de clássico fica no meio do caminho entre duas linguagens, sem jamais atingir algum vigor. 

Sob a pálida direção de Ione de Medeiros, a história do bicheiro que trocou seus dentes por uma dentadura de ouro se perde em uma montagem com elenco irregular e uma adaptação que busca inserir certa contemporaneidade a obra, mas surge inapropriada a ponto de descaracterizá-la. 

Boca de Ouro tem início com o anúncio da morte do bicheiro, e com uma redação em polvorosa para conseguir o depoimento de sua ex-amante, Guigui, que, a medida que seu estado emocional muda, conta três versões diferentes sobre o caso do assassinato do casal Celeste e Leleco, afim de entregar três diferentes visões acerca do bicheiro. 

Se dividindo entre personagens femininas e masculinas, o elenco (majoritariamente) masculino tem um desempenho irregular. Na pele do malandro Leleco, Victor Hugo Barros constrói uma personagem fraca e sem força, assim como seus colegas. Intérprete da dona de casa Celeste, Gustavo Sousa apela para um registro simplista da figura feminina caindo no caricatural que se irmana a construção irregular da Guigui criada por Jonathan Hora Fores . 

O ator tenta convencer como a ex-amante do bicheiro, mas cai em lugares comuns que prejudicam a personagem e não imprimem verdade em suas versões, fazendo com que todas soem opacas. O mesmo se pode dizer do Boca de Ouro de Henrique Mourão, que, dividindo o papel com Fortes, buscando certa versatilidade em uma proposta que nunca diz a que veio. 

Figura estranha no ninho, Camila Felix interpreta a beata Maria Luisa também apelando para uma caricatura que pouco adiciona a história ou a montagem, que persegue o resultado apoteótico de um final que, graças à dramaturgia de Nelson Rodrigues, foge a um edificante desfecho que se esperaria pela proposta da diretora. 

Ione de Medeiros, inclusive, tenta construir um universo próprio nessa montagem que também jamais diz a que veio. Flertando com o teatro clássico, com um (bonito) cenário realista, a diretora parece não ter sabido direcionar bem seu elenco, que parece bastante perdido – mas esforçado – com as inúmeras menções a Bad, hit que deu nome ao álbum de 1987 de Michael Jackson, e aparece de forma quase pueril na montagem (que também destaca o desenho de luz pouco inventivo de Bruno Cerezoli, que não adiciona nada a encenação). 

Em cartaz até 09 de junho, de quinta a domingo, no Teatro do Sesc Santo Amaro, Boca de Ouro, sob o olhar do Grupo Oficcina Multimédia, nunca diz a que veio, em uma adaptação que não apenas esvazia os elementos do texto original de Nelson Rodrigues, como também sublinha irregularidades que o tempo generosamente escondeu. 

SERVIÇO: 
Data: 16 de maio a 09 de junho (quinta a domingo) 
Local: Teatro do Sesc Santo Amaro – São Paulo (SP) 
Endereço: Rua Amador Bueno, 505 – Santo Amaro 
Horário: 21h (quinta a sábado); 18h (domingo) 
Preço do ingresso: R$ 30,00 (inteira)/ R$ 15,00 (meia)

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