Farjalla sublinha terror e presta tributo ao besteirol ao reinventar Irma Vap

O Mistério de Irma Vap

Comédia celebrizada no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990 graças à azeitada montagem dirigida por Marília Pêra e estrelada por Marco Nanini e Ney Latorraca, O Mistério de Irma Vap, do dramaturgo inglês Charles Ludlam, é uma comédia satírica acerca dos contos de terror ingleses. A história se passa num lugar remoto da Inglaterra vitoriana, onde Lady Enid, a nova esposa do excêntrico Lord Edgar, tem que se adaptar a viver em uma mansão mal-assombrada pelo fantasma da primeira esposa de seu marido, Irma Vap. 

A peça busca nos signos de clássicos do terror a fórmula para transformar o medo em gargalhada. No palco, dois atores interpretam todas as personagens: Lord Edgar, Lady Enid, a governanta e o faz tudo da mansão assombrada ainda pela lenda de um lobisomem. A peça contou com duas montagens vitoriosas no Brasil – a primeira, referência por ter permanecido em cartaz por 11 anos com o mesmo elenco. 

Em cartaz no Teatro Porto Seguro até dia 16 de junho, a nova versão de O Mistério de Irma Vap traz a dupla Mateus Solano e Luís Miranda nos papéis principais sob a direção de Jorge Farjalla, que sublinha ainda mais o clima de terror clássico, enquanto, em paralelo, presta um tributo ao teatro besteirol 

Com fôlego impressionante, Solano e Miranda constroem um excelente jogo cênico, num desempenho que, superando as estranhezas iniciais, faze da versão de Farjalla um excelente exercício de imaginação para a plateia. 

Na dobradinha Lady Enid e Nicodemo, Mateus Solano se comprova um dos atores mais versáteis de sua geração, e desconstrói a figura de galã teatral, angariando seu melhor momento nos palcos. O ator deixa de se levar a sério para construir personagens que ganham justamente por usar da fina estampa do ator, que se deleita no besteirol e abre brechas para piadas próprias, como a incursão por sua excelente versão da personagem Zé Bonitinho, na Escola do Professor Raimundo. 

Luís Miranda, por sua vez, também impressiona, embora já tenha sua versatilidade reconhecida desde sua participação no seminal Terça Insana, construindo tipos. Na pele de Miss Jane e Lord Edgard, Miranda busca em seus trejeitos uma comicidade que já está presente no texto, ameaçando cair num tom over que, à medida que a peça corre, se torna menos latente. 

Diretor de ampla produção, Jorge Farjalla gosta de trabalhar com clássicos e, embora nem sempre seja bem sucedido – como em suas visões acerca da obra de Nelson Rodrigues, em leituras equivocadas de Dorotéia (2017) e Senhora dos Afogados (2018) -, mostra que quando se livra de possíveis amarras, cresce. 

Em O Mistério de Irma Vap o diretor retira de uma mansão clássica a ação para cair no absurdo realocando-a no trem fantasma de um parque de diversões abandonado. Uma premissa arriscada que não apenas dá certo, como também adiciona mais movimento a ação. E vale ressaltar o ótimo cenário criado por Marco Lima e o excelente desenho de luz pensado por Cesar Pivetti – esse, indispensável na criação do clima soturno, sublinhado, sobretudo, pelo desenho de som pensado por Gilson Fukushima (que também assina competente direção musical). 

Na versão de Farjalla, outros quatro atores são adicionados à cena numa espécie de contrarregragem de luxo. A presença das quatro “sombras”, interpretadas por Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes, não são necessariamente indispensáveis, mas garantem certo ritmo à cena, e também proporcionam escadas eficazes para o humor sardônico de Solano e Miranda. 

Diferente da (boa) versão encenada em 2008 com Cássio Scapin e Marcelo Medici sob a direção da mesma Marília Pêra que concebeu o hit teatral de Nanini e Latorraca, O Mistério de Irma Vap de Jorge Farjalla injeta som e fúria nesta história que, embora esteja longe da letargia de espetáculos datados, cresce ainda mais quando revisto. 

SERVIÇO: 
Data: 12 de abril a 16 de junho (sexta a domingo) 
Local: Teatro Porto Seguro – São Paulo (SP) 
Endereço: Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos – São Paulo Horário: 21h (sextas); 18h e 21h (sábados); 16h e 19h (domingos) 
Preço do ingresso: R$ 40,00 (meia) a R$ 150,00 (inteira)

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