Mãe Coragem se engrandece em montagem ambiciosa e consagra Bete Coelho

Mãe Coragem consagra Bete Coelho | Foto-Jennifer Glass

Peça considerada como uma das obras primas da produção do dramaturgo alemão Bertold Brecht, Mãe Coragem e Seus Filhos é um texto que, por sua grandiosidade, recebeu poucas – porém marcantes – montagens no Brasil. A primeira, ainda na década de 1960, deu a Lélia Abramo não apenas o respeito da classe, mas também a consagração frente a público e crítica.

Em 2002 foi a vez de Maria Alice Vergueiro, decana atriz ligada ao underground paulistano, subir a cena e comemorar 40 anos de trajetória na pele da personagem que não vê na guerra uma tragédia, mas sim um meio de vida.

Quatro anos depois, em 2008, coube a Louise Cardoso interpretar a personagem na montagem idealizada pelo Armazém Companhia de Teatro em uma performance que dividiu a crítica por seu caráter excessivamente plácido.

Onze anos depois desta última montagem, chega ao Sesc Pompéia a versão de Daniela Thomas para o clássico de Bertold Brecht, e também sua montagem nacional mais ambiciosa e grandiloquente. Ambientado ao longo da Guerra de Trinta Anos – 1618 a 1648 -, o espetáculo acompanha a trajetória de Coragem, mulher que, ao lado de seus três filhos, enfrenta a guerra para vender a soldados comida e outros objetos em busca da sobrevivência.

Utilizando da guerra como seu meio de vida, a personagem vê seus filhos, um a um, sendo levados pelas batalhas. O primeiro é levado a se alistar, e chega a cair nas graças do comandante, e os outros dois acabam mortos em meio a guerrilha.

Assinada por Daniela Thomas, a encenação foge aos moldes clássicos do teatro e se ambienta no Ginásio Primavera do Sesc Pompéia, utilizando de uma arena e cenários que, embora não abusem do realismo, estabelecem um reconhecimento direto com o público.

Thomas põe em cena (excelente) sexteto para dar vazão às tensões de sua montagem, que se vale não apenas pela grandiosidade e ambição da cenografia pensada por Thomas e Felipe Tassara e pelo ótimo desenho de luz de Beto Bruel, mas também pelos figurinos de Cassio Brasil, que faz vislumbrar a miséria rota da guerra com perfeição, e pelo ótimo elenco.

Thomas une em cena uma trupe de atores que, embora encontre um ou outro elemento destoante, no todo, triunfa. Os 12 atores valorizam o espetáculo a ponto de fazê-lo adquirir ritmo invejável, fazendo com que suas duas horas e meia resultem imperceptíveis.

É importante destacar o trabalho de nomes como Carlota Joaquina e Luisa Renaux, que conduzem a peça sem didatismos no papel de narradoras, assim como Murilo Grossi e Ricardo Bittencourt que, respectivamente, na pele do cozinheiro do capitão e do capelão, desenvolvem uma linguagem nada óbvia para duas personagens que buscam apenas a sobrevivência em meio a guerrilha.

Amanda Lyra, na pele da prostituta Ivete, também rende muito, emprestando a personagem um ar de elegância que beira a uma senilidade desesperada. Assim como Rodrigo Penna, na pele do filho Queijinho, que constrói uma personagem cativante de rápida identificação com o público, irmanando seu trabalho com a delicadeza da construção de Luiza Curvo, que, sem falas, entrega um trabalho corporal de sua personagem que beira ao desespero numa construção que ameaça atingir o histrionismo, mas triunfa no fim.

Contudo, o grande destaque do espetáculo, está na excelente Mãe Coragem construída por Bete Coelho. A atriz constrói uma personagem forte e cativante, de gestos milimetricamente pensados para dar uma mistura de dinamismo e sensibilidade a todas as suas cenas.

Inegavelmente uma das melhores atrizes de sua geração, Coelho encontra em Mãe Coragem um de seus melhores – senão o melhor – momentos em cena. A atriz, que pouco sai de cena, faz um trabalho calcado no olhar de sua personagem, uma dúbia aproveitadora da guerra que vive de suas desgraças, mas amaldiçoa que a desgrace.

Na encenação de Thomas, é impossível deixar de achar que a personagem que realmente importa é a que dá título ao espetáculo, e não necessariamente a guerra, como idealizado originalmente por Brecht. Coelho leva o espetáculo com a naturalidade das grandes atrizes, e emboca, com naturalidade ímpar, texto que, a despeito de ter sido escrito em 1939, é de uma contemporaneidade absurda.

Em curtíssima temporada no Ginásio Primavera do Sesc Pompéia, até 21 de julho, Mãe Coragem se impõe como uma das melhores e mais intensas montagens do texto no Brasil, e reafirma a excelência de Bete Coelho, que se impõe como a intérprete de uma Era.

SERVIÇO

Data: 11 de junho a 21 de julho (terça a domingo)

Local: Ginásio Primavera do Sesc Pompéia – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Clélia, 93 – Pompéia

Horário: 20h30 (terça a sábado); 18h30 (domingos)

Preço do ingresso: R$ 40,00 (inteira) | R$ 20,00 (meia) | R$ 12,00 (credenciados)

Notícias relacionadas