Piso Molhado joga luz opaca sobre personagens considerados à margem da sociedade

Piso Molhado | Foto: Priscila Prade

A invisibilidade social e as figuras que compõem uma espécie de classe social à margem da sociedade política, cultural e econômica sempre foram pratos cheios para a produção da dramaturgia clássica.

O tema ajudou a fomentar, por exemplo, a criação do chamado “teatro clássico de texto”, rendendo obras como Um Panorama Visto da Ponte e A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, A História do Zoológico, de Edward Albee, entre outros.

 No Brasil, o tema também nunca esteve tão presente quanto em obras como as de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, por exemplo, autores considerados “malditos” que jogavam luz sobre a história de grandes personagens que entraram para a história da dramaturgia nacional.

É, portanto, sintomático que Piso Molhado, espetáculo de Ed Anderson dirigido por Mauro Baptista Vedia, em cartaz no Teatro Cacilda Becker, na Lapa, zona oeste da capital até o dia 28 de julho, desperte certa curiosidade acerca do quarteto de personagens acometidos da mesma invisibilidade social que sublinhou obras anteriores tão marcantes.

No espetáculo, a cantora de cabaré Selma (Patrícia Gasppar) ensaia para o show diário que realiza em uma pequena boate fétida no centro da cidade ao lado de seu inseparável amigo, o pianista Tony (Carlos Palma), que sofre um drama familiar que precisa de sua atenção. Ao sair da boate para uma visita ao hospital, Tony deixa Selma trancada por engano com o encanador Osvaldo (Hélio Cícero), um ex-seresteiro da noite abandonado pela esposa e tentando lidar com a solidão. Enquanto lida com os problemas do novo amigo, Selma também se ressente da falta da filha e enxerga aranhas caindo do céu, o que seria um bom presságio.

A despeito do argumento promissor, Piso Molhado resulta menos sedutor do que sua premissa faz supor. O texto pueril de Ed Anderson não dá possibilidades para a encenação de Mauro Baptista Vedia, que também pouco faz pela valorização do texto, deixando assim o elenco jogado a própria sorte em cena.

Excelente atriz com (boa) voz talhada para o canto, Patrícia Gasppar usa de um carisma invejável para dar vida a sua cantora Selma, personagem de desenvolvimento confuso e irregular que se alicerça no talento da atriz para soar crível. Ainda que a linguagem tente flertar com certos elementos do teatro do absurdo, o texto de Anderson não cria bases para a sustentação dos argumentos que tenta pôr em cena.

A direção de Vedia, sem compreender estes elementos, constrói quadros que não apenas desvalorizam a proposta do texto como também fazem com que soe trivial, por exemplo, a relação de Selma, cantora da noite desacreditada de seu talento, com a música popular.

No (bom) roteiro selecionado para a peça, a impressão que se tem é que as canções simplesmente são jogadas e mal aproveitadas, cantadas por uma Patrícia Gaspar afinada sem acompanhamento e à capela – o que prejudica um desempenho que poderia ter ainda mais brilho.

O mesmo se pode dizer de Valéria Pedrassoli, atriz que tenta buscar uma linguagem cênica própria, mas soa deslocada em cena na pele da filha de Selma e da ex-esposa de Osvaldo, prejudicada – principalmente – pelo texto que não sai do lugar.

Inclusive, a trivialidade e a redundância do texto, fazem com que a encenação, de não mais que 60 minutos, ganhe contornos cansativos e estafados, apostando em uma comédia que, em suma, não faz rir. A direção de Veda, por exemplo, não cria uma unidade cênica entre o elenco, resultando em registros, geralmente, histriônicos e acima do tom, como são os casos de Carlos Palma e Hélio Cícero.

Na pele do pianista Tony, Palma entrega uma interpretação excessivamente caricata, o que impede qualquer tipo de relação do público com sua personagem, afetando, inclusive, a credulidade da interpretação de Gasppar, também prejudicada por Cícero na pele do encanador Osvaldo. Perseguindo piadas que, no todo, não têm graça, o ator patina numa interpretação igualmente caricata que, no decorrer da encenação, cansa. Faltou a mão firme de uma direção que podasse os excessos que ralentam o ritmo do espetáculo.

Mesmo a (boa) proposta de cenografia de Marco Lima ressoa defasada frente ao desenho de luz chapado de Fran Barros. Mesmo pontos que poderiam ressoar positivamente, soam excessivos e até desnecessários, como as supracitadas canções entremeadas sem uma direção clara entre as falas.

Na voz de Gasppar, o espetáculo enfileira boa seleção de canções, pérolas, verdade seja dita, pescadas sem muito critério no baú da música popular patropi. Estão presentes temas como Eu e a Brisa, de Johnny Alf, Doce de Coco, de Jacob do Bandolim, Ronda, de Paulo Vanzolini e Meu Mundo Caiu, de Maysa, entre uma série de outras canções desperdiçadas em cena.

Enfim, a despeito de sua boa premissa, Piso Molhado resulta em espetáculo trivial e pueril, prejudicado – principalmente – pelos pilares da dramaturgia e direção que não souberam aproveitar as possibilidades de elenco e canção, resultando em uma comédia sem graça e pouco envolvente.

SERVIÇO:

Data: 05 a 28 de julho (sexta a domingo)

Local: Teatro Cacilda Becker – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Tito, 295 – Lapa

Horário: 21h (sextas e sábados); 19h (domingos)

Preço do ingresso: Grátis

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