Com fôlego e sem vaidades, Chernobyl triunfa ao dar protagonismo a acidente histórico

Chernobyl | Foto: Guy Pichard

Em 2016 completou-se 30 anos do desastre que ressignificou as discussões acerca de experiências nucleares ao redor do mundo, quando uma série de explosões destruíram o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Atômica da cidade de Chernobyl, na Ucrânia.

Mais do que a efeméride, o silêncio que a envolveu em toda a Europa foi o que incitou a dramaturga francesa Florence Valéro a escrever uma peça em que busca investigar, através da figura central de uma família, os desdobramentos do acidente daquela madrugada de 26 de abril de 1986.

Na obra de Valéro, presente, passado e futuro se fundem numa dramaturgia friccionada e fragmentada, com uma estrutura que flerta diretamente com o universo cinematográfico do qual a profissional francesa é oriunda.

Compreender, aceitar e assimilar estes signos audiovisuais impressos na proposta dramatúrgica é uma das maiores virtudes e Chernobyl, espetáculo dirigido por Bruno Perillo que toma o texto da francesa como principal fio condutor na discussão dos resultados daquele desastre nuclear de proporções ainda hoje inimagináveis, e que tornou inabitável toda uma cidade.

Em cartaz no Espaço Beta do Sesc Consolação desde o último dia 09 de setembro, Chernobyl não é espetáculo de fácil digestão. Os signos da linguagem de Valéro são devidamente compreendidos e postos em cena por Perillo, que, corajosamente, não propõe facilitadores neste espetáculo em que a despeito de uma trama central, jamais opta por protagonismos. É exatamente este o trunfo de Chernobyl.

Com elenco formado por quatro atrizes, o espetáculo não trabalha papéis protagonistas, tampouco dá vazão a arroubos interpretativos. Tudo é construindo no tempo de uma delicadeza milimétrica, na qual cada atriz percorre seu próprio trajeto cênico compreendendo que o foco é exclusivo não apenas da peça propriamente dita, mas sim, e sobretudo, da temática abordada.

Ainda que guardem momentos de ternura e visceralidade próprios – ao encenar trechos dos depoimentos contidos no livro Vozes de Tchernóbil (2015), da Nobel de Literatura Svetlana Aleksiévitch – o quarteto jamais sobe o tom, num rico exercício de desconstrução de vaidade que eleva o jogo cênico.

Carolina Hadad, Joana Dória, Manuela Afonso e Nicole Cordery sublinham tensões a ponto de injetar ótimo e insuspeito clímax à medida que o espetáculo se desenvolve. O grupo compreende bem a proposta do ótimo jogo com a iluminação travestida de cenário (gestada por Grissel Pinguillem), e com os (ótimos) figurinos de Chris Aizner.

Ainda que longo (90 minutos que facilmente podem se transformar em 110), o espetáculo jamais perde o ritmo, numa conquista louvável da direção de Perillo que consegue driblar armadilhas propostas pelo texto com usas imagens altamente cinematográficas (mas, nem por isso, simplistas), e conduzir encenação que jamais resulta cansativa.

É sintomático que, em meio ao sucesso da série homônima exibida pela HBO em cinco capítulos, os interesses acerca da peça se sobressaltem e os ingressos estejam concorridos. Entretanto, diferente do que se pode esperar, não há qualquer linearidade óbvia na encenação que fica em cartaz até o dia 22 de outubro, com sessões as segundas e terças-feiras.

Chernobyl é sim peça de difícil digestão, mas sem jamais soar ininteligível visto que, pondo em perspectiva a história de uma família abalada pelas sucessivas mortes causadas pelos desdobramentos radioativos da explosão, a identificação se torna imediata.

O espetáculo promove certa emoção sem jamais apelar para o melodrama, e usa inteligentemente de um elenco afiado para propor um exercício de compreensão cênica que jamais subestima o público, numa jogada tão perigosa quanto acertada. Ainda que precise aparar arestas comuns de um início de temporada, Chernobyl é espetáculo imponente que jamais se curva a qualquer simplismo gratuito.

SERVIÇO:

Data: 09 de setembro a 22 de outubro (segundas e terças-feiras)

Local: Espaço Beta do Sesc Consolação – São Paulo (SP)

Endereço: R. Dr. Vila Nova, 245 – Vila Buarque

Horário: 20h

Preço do ingresso: R$ 20,00 (inteira)/ R$ 10,00 (meia)/ R$ 6,00 (credenciados rede Sesc)

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