Em sua segunda noite, Festival oscila com cenas menos inspiradas, mas mantém força temática

A Farsa do Bom Juiz | Foto: Guto Muniz

É sintomático que, após abertura explosiva como a de terça-feira, 24, o segundo dia do Festival Cenas Curtas guarde certos graus de oscilação. Ainda que tenha mantido a força temática de sua curadoria na noite de ontem, 25, o segundo dia da vigésima edição deste clássico festival mineiro contou com programação menos explosiva.

Dando início aos votos da competição que elegerá uma cena para ganhar subsídio e se desenvolver ao formato de peça, a segunda noite do Festival deu foco maior às performances com linguagem cênica ainda em plena depuração. Se Looping promoveu abertura de alto nível, A Farsa do bom Juiz jogou com elementos e temáticas já amplamente investigadas, resultando um trabalho de força que gira numa zona de conforto crítica.

tubo, por sua vez, se mostrou performance que, a medida em que se pretendia inovadora, corajosa e iconoclasta, também se deixou levar pela ingenuidade do desejo vão de chocar através do corpo humano. Por fim, o espetáculo-poema Eu só, com Verso, tentou, de forma frouxa, analisar as diferentes vertentes da solidão, deixando clara a falta de uma direção melhor trabalhada.

Entretanto, a despeito do clima oscilante, é importante ressaltar o teor corajoso e destemido do Festival que, em seu segundo dia, tentou ir além na provocação da plateia e, apesar de qualquer irregularidade artística por meio das cenas escolhidas, atingiu bem seu objetivo.

Confira abaixo as críticas das cenas apresentadas na noite de 25 de setembro:

Loop (Cotação: * * * ½)

LOOP | Foto: Guto Muniz
LOOP | Foto: Guto Muniz

Embora proponha discussão profunda acerca do gênero no ciberespaço, Loop, da Companhia O Somos, com intervenção visual de Sandro Miccoli, vai muito além da simples discussão, ao apresentar, em cena, a fusão de linguagens em performance, a risca, de dança fundindo o break e o contemporâneo a uma estética do hip hop.

Miccoli pilota videomapping baseado na programação de computadores e ambientando a proposta numa discussão para além da fala – destinada exclusivamente a assistente cibernética Siri. A cena peca apenas na análise crítica acerca do machismo através de abordagem pueril acerca da subserviência com a exibição de cenas como a do seriado norte americano I Love Lucy, e da trilha encerrada ao som de You Don’t Own Me (David White / John Madara / Gerald Gillum), hit de Lesley Gore celebrizada pela trilha do filme The First Wives Club.

A Farsa do bom Juiz (Cotação: * * *)

A Farsa do Bom Juiz | Foto: Guto Muniz
A Farsa do Bom Juiz | Foto: Guto Muniz

Partindo de crítica batida ao cenário político brasileiro, implodido desde o impeachment da ex-presidente da República Dilma Rousseff, a Cia. Mamãe tá na Plateia cria performance com influências circenses para tentar satirizar, entre outros assuntos, passagens como a farra dos guardanapos e a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O grupo utiliza de linguagem expressionista para girar em torno do óbvio para uma plateia que oferece risco nulo de confronto. A Farsa do Bom Juiz, apesar da boa direção de Luiz Dias, não sai de uma zona de conforto crítica que esvazia o discurso. Poderia ir além, mesmo no final que se propõe a chocante, mas é apenas repetitivo frente a outras obras já produzidas no calor do momento político.

tubo (Cotação: * ½)

tubo | Foto: Guto Muniz
tubo | Foto: Guto Muniz

A performance concebida pelo artista pernambucano Maia de Paiva explora o corpo como uma espécie de geografia do nada. A performance peca justamente ao se pretender chocante ou iconoclasta. Através do corpo nu, e tendo como fio condutor seu ótimo desempenho físico, Paiva põe em cena o contraponto entre as figuras da boca e do ânus.

Nada que não remeta a performance Macaquinhos, que gerou polêmica purista em 2015 ao rodar o circuito Sesc. O dramaturgismo pueril também contribui para a sensação de que a performance é apenas um desejo autoreverente de Paiva comprovar o virtuosismo de suas habilidades como exímio bailarino, num trabalho de corpo, esse sim, impressionante.

Eu só, com Verso (Cotação: **)

Eu Só, Com Verso | Foto: Guto Muniz
Eu Só, Com Verso | Foto: Guto Muniz

A solidão de uma mesa de bar e suas diferentes faces é o que move a encenação da companhia 5só, a mais simples e também a mais plácida da noite. A despeito da temática rica, faltou ao grupo o desenvolvimento de textos mais burilados e menos irregulares. Os poemas ou a prosa propostas por cada uma das cinco cenas – também costuradas com certa puerilidade – é prejudicada também pela performance monocórdia dos cinco atores.

Faltou a direção de Joice Gonçalves mão firme e uma assinatura que fizesse o espetáculo caminhar pelo caminho poético ao qual se propôs, mas jamais atingiu, fazendo de Eu só, com Verso um espetáculo de tons oscilantes, chegando mesmo a soar amador.

O Festival Cenas Curtas acontece até domingo (29) no Galpão Cine Horto, a partir das 20h (cenas). Os ingressos custam de R$ 10,00 (meia) a R$ 20,00 (inteira). A programação também conta com a exibição do documentário Cenas Curtas 20 Anos: A Festa dos Encontros, de Marcos Coletta e Paula Dante, e com debates realizados um dia após a realização das cenas, e performances em espaços ao redor, com ingressos gratuitos.

A reportagem viajou a convite da produção do Festival

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