Opereta imprime imagem íntima de Itamar Assumpção, mas foca em ouvintes iniciados

Pretoperitamar | Foto: Carol Mendonça

Em 1980, ao lançar seu primeiro disco acompanhado da banda Isca de Polícia, o cantor e compositor paulista Itamar Assumpção apontou para o que viria a ser a seara mais poética e lírica das experimentações pós-tropicalistas da Vanguarda Paulista, fundada pelo compositor com o cantor, compositor e multiinstrumentista Arrigo Barnabé.

Surgia ali uma série de canções do quilate de Luzia, Fico Louco e Nego Dito que, anos depois, seriam sucedidas por temas como Isso não vai Ficar Assim (1983), Ouça-me (1988), Mal Menor (1988), Filho de Santa Maria (1988), Dor Elegante (1993), Por que que eu não Pensei Nisso Antes (1993), entre outras canções que só receberam a devida atenção, do tamanho de sua magnitude, anos após a morte do compositor, em 2003 vítima de um câncer intestinal.

Encerrando as comemorações dos 70 anos de nascimento do compositor, a recém-estreada opereta Pretoperitamar, em cartaz até 19 de janeiro no Teatro do Sesc Pompéia, promove justamente uma revisão de parte desta monumental obra que vem ganhando sucessivamente as vozes de artistas do quilate de Zélia Duncan, Ney Matogrosso, Vânia Bastos, Ana Cañas, entre outros intérpretes de tarimba da música popular produzida no Brasil.

Longe de ser um musical nos moldes exportados pelos Estados Unidos, Pretoperitamar nem tampouco flerta com a revista, linguagem anterior a do teatro musical brasileiro, ou mesmo com as clássicas operetas escritas por nomes como Heitor Villa-Lobos ou Arthur Azevedo. 

Sob a direção da atriz, diretora e dramaturga mineira Grace Passô, o espetáculo investiga sua própria linguagem para contar a vida e a trajetória do nego dito que provou que há mais formas de se desvendar o lirismo da canção do que sonhava a vã filosofia popular.

Com texto friccionado em uma história que foge a linearidade, Passô (em parceria com a romancista Ana Maria Gonçalves) construiu dramaturgia que flerta com o estilo impresso por Assumpção em suas letras. 

A dupla até opta por elementos do teatro grego, como o uso de um coro (formado pelas cantoras e intérpretes Iara Rennó, Tulipa Ruiz e Thalma de Freitas) e da figura do anjo da anunciação, interpretado por Denise Assumpção, mas imprime mesmo é a assinatura de Passô, que foge a qualquer obviedade linear.

Na pele do cover que pouco sabe sobre a figura de Itamar, e vai se desenvolvendo ao longo da encenação, Fabrício Boliveira constrói uma personagem carismática que passeia na beira da caricatura num de seus melhores desempenhos em cena desde sua última incursão teatral, no espetáculo Almirante Negro (2014).

É hilária, por exemplo, a cena em que o ator interpreta Negro Gato (Getúlio Cortes), numa clara alusão a confusão promovida pela imagem de Itamar com a de Luiz Melodia (intérprete que, em 1980, tomou para si o clássico lançado por Roberto Carlos em 1966).

Já Denise Assumpção injeta humor e certa tensão na figura do anjo anunciador e da juíza, personagem norteador de Denúncia dos Santos Silva Beleléu (1981), em cena construída para que a atriz faça ótimo jogo cômico com Thalma de Freitas, atriz e cantora que cresce sempre que surge em cena, assim como Tulipa Ruiz, a cantora e compositora que se comprova (boa) atriz nas poucas incursões permitidas pelo texto.

Mas, inegavelmente, o destaque se dá na figura de Cláudia Missura, atriz acostumada a se reinventar em cena, que usa toda sua experiência como componente da Banda Mirim para passear com desenvoltura por entre as canções e coreografias, além de angariar para si alguns dos melhores momentos do espetáculo que, já próximo do fim, ao longo de suas duas horas, passa a soar cansativo.

A inclusão de duas canções do repertório de Serena Assumpção (1977 – 2016), Ogum e Iemanjá, resulta gratuita e cansativa – ainda que com belíssimo desenho de luz, assinado por Jathyles Miranda, sublinhando a delicadeza dos temas de uma das filhas do nego dito. A despeito deste pequeno deslize, a excelente direção musical de Anelis Assumpção e Iara Rennó fez crescer temas menos conhecidos da obra do compositor.

Aliás, canções que se tornaram hits nas vozes de outros intérpretes foram limados do roteiro, o que chegou a causar certo estranhamento. A falta de temas como Tua Boca, Leonor, Quem Canta seus Males Espanta ou Milágrimas, apesar de corajosa, parece ter surtido efeito reducionista no mosaico musical criado para falar sobre Itamar Assumpção.

Gigante de obra monumental, o nego dito é representado em Pretoperitamar como um artista de convicções firmes e ativismo latente, contudo a obra deixa a desejar pelo fato de tentar, numa linguagem que foge a simplismos ortodoxos, sublinhar a figura de Itamar Assumpção apenas para iniciados.

SERVIÇO:

Data: 28 de novembro a 19 de janeiro (quinta-feira a domingo)

Local: Teatro do Sesc Pompéia – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Clélia, – Água Branca

Horário: 21h (quinta-feira a sábado); 18h (domingo)

Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira) | Credenciados na rede Sesc pagam R$ 12,00

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