Pensado por Alê Youssef, Festival Verão sem Censura é boa iniciativa contestadora que já nasce com ranço eleitoreiro

Ale Youssef | Foto: Divulgacao

Anunciado no último sábado pelo ex-produtor cultural e atual Secretário da Cultura da cidade de São Paulo, Alê Youssef, o Festival Verão sem Censura é uma das iniciativas mais combativas da atual Secretaria contra o processo de censura que vem aparelhando a máquina pública desde a eleição de Jair Messias Bolsonaro (PSL). 

Após extinguir o Ministério da Cultura e subjugar todo o mercado a uma pasta do Ministério da Cidadania, comandado por Osmar Terra, o governo Bolsonaro iniciou um processo de censura institucional a projetos culturais que, a seu ver, ferem questionável e obscuro conceito de moral.

Numa guerrilha capitaneada pelo atual diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, espetáculos críticos a atual política adotada pela presidência da república, ou mesmo ao período militar e ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, são impossibilitados de ocupar espaços públicos, como o Centro Cultural do Banco do Brasil, a Funarte e a Caixa Cultural.

Mesmo espetáculos sem viés político, como o musical Lembro Todo Dia de Você, do Núcleo Experimental de Fernanda Maia e Zé Henrique de Paula, sobre a disseminação do vírus da Aids, vem sendo impedidos de se apresentar, mesmo tendo vencido editais públicos.

Youssef, com extensa carreira política e cultural, se posiciona como principal questionador do sistema bolsonarista vigente e, de forma contundente, envia a mensagem de que não compactuará com o retrocesso imposto pelo presidente e por seus simpatizantes, tendo como principal posicionamento a acolhida do espetáculo RES PUBLICA 2023, do grupo A Motosserra Perfumada, que, após ser impedida de estrear na Funarte, como era seu direito após vencer edital público, ganhou temporada no porão do Centro Cultural São Paulo.

O anúncio do Festival Verão sem Censura soa, portanto, sintomático frente a posição combativa do Secretário e, guardadas as devidas proporções, da Prefeitura de São Paulo às decisões vindas do Palácio do Planalto. Entretanto, é impossível deixar de enxergar certo ranço eleitoreiro na medida pensada por Youssef e embasada pelo prefeito da cidade, Bruno Covas (PSDB), que já arquiteta sua campanha de eleição ao cargo herdado pelo prefeito dissidente e atual governador do Estado, João Dória (PSDB).

Ao se opor a Jair Bolsonaro, Covas não apenas afina o discurso de seu padrinho João Dória, que busca se afastar do Bolsodorismo criado para alavancar sua candidatura ao governo de São Paulo, como também tenta se afastar da imagem de aventureiro (também herança de Dória) e angariar a simpatia da cidade que não deu a maioria dos votos para a eleição do empresário e ex-apresentador ao governo do Estado.

Ao utilizar de Youssef e da força de seu trabalho para angariar a simpatia da classe artística e de simpatizantes que não dão muitas liberdades ao PSDB, Covas faz o que um político faz de melhor e se apropria da crise para alavancar sua imagem. Entretanto, corre o risco de ganhar inimigos políticos e populares vista a inegável afinação dos eleitores paulistanos ao governo de Jair Bolsonaro.

Numa curadoria om regras ainda não divulgadas, os espetáculos que devem compor o projeto do Festival sem dúvida fazem parte daqueles que ganharam mais destaque frente aos projetos de censura da Caixa, do Banco do Brasil e da Funarte. Numa investida de contornos também midiáticos, o Festival Verão sem Censura dá embasamento para Youssef ganhar a simpatia de parte da classe que ainda não comprou a gestão do ex-produtor frente a pasta.

Não é, claro, o primeiro movimento. O secretário conta com a presença de profissionais de renome ao seu lado, como Pedro Granato e Hugo Possolo, apenas para citar dois,o que lhe garante maior simpatia e alicerça as possibilidades de o bem-vindo festival anti-censura (que, com certeza, abrigará manifestações contrárias ao governo federal) se tornar não apenas uma das grandes bandeiras da atual gestão, como também um futuro trunfo a ser retirado da manga por Bruno Covas, que, há três meses do início da corrida eleitoral, terá a chance de pavimentar a imagem de um prefeito razoável e longe do autoritarismo.

O Festival Verão sem Censura será, sem dúvidas, uma iniciativa importante, contestadora e necessária junto a bandeira da resistência empunhada pela classe cultural desde o início do segundo turno das eleições presidenciais em 2018, mas, pensada num período de plena campanha, já nasce com o ranço eleitoreiro e duvidoso.

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