Ao subjugar a cultura, Jair Bolsonaro se afasta ainda mais de seu país-modelo, os Estados Unidos

Donald Trump e Jair Bolsonaro | Foto: Divulgacao

No início do ano, com a notícia de que extinguiria o Ministério da Cultura, o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PSL) iniciava seu programa de investidas contra o mercado cultural das artes que, através de ilustres representantes como Paula Lavigne, Caetano Veloso, Fernanda Montenegro, Jô Soares e Chico Buarque de Hollanda, se opôs veementemente a eleição do ex-deputado pelo Rio de Janeiro ao cargo no Planalto.

Após uma série de ataques (como a revisão do teto da Lei de Incentivo a Cultura, antiga Lei Rouanet e uma série de atos de censura a filmes e projetos televisivos de temática LGBTQI+, e, claro, os casos de censura protagonizados por Roberto Alvim enquanto diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, e por instituições como a Caixa Cultural e o Centro Cultural do Banco do Brasil), o Presidente parece ter querido dar uma espécie de golpe de misericórdia no setor ao transferir a Secretaria da Cultura para o guarda-chuva do Ministério do Turismo.

É verdade que o ministério, junto ao de Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, é o mais desacreditado e amador de toda composição governamental. E é verdade também que seu chanceler, o ministro Marcelo Álvaro Antônio, segue investigado pela Polícia Federal ao ser denunciado pela Promotoria de Minas Gerais de integrar o caso de candidaturas laranjas do PSL, partido do Presidente.

Portanto não há dúvidas que a ideia de desacreditar a Secretaria é um caso de honra para o Presidente que, parece não saber, com este ato se afasta cada vez mais do propósito que parece guiá-lo, que é o de se aproximar da história construída pelos Estados Unidos da América, não apenas seu país modelo como também seu mais secreto desejo de poder (como se esquecer do inesquecível i love you proferido ao presidente norte americano Donald Trump, prontamente renegado?).

A despeito das questões ideológicas e mercantis que construíram aquela nação, é inegável que os Estados Unidos souberam bem como se fazer um país modelo não apenas em termos econômicos, mas também, e principalmente, culturais. Jair Bolsonaro – por ignorância ou birra – ignora que seu país modelo só se tornou o que se tornou (até mesmo para ele) porque soube fomentar e fazer bom uso da cultura das artes que criou.

Fosse em panfletos contra a ameaça comunista (como o blockbuster Moscou Contra 007, de 1963, que fez de Sean Connery um astro internacional), fosse em tentativas de se tornar um verdadeiro apaziguador nas duas guerras mundiais em que esteve presente, os Estados Unidos fomentaram sua música, seu cinema e seu teatro porque seus governantes sabiam que apenas a arte enquanto mercadoria poderia proporcionar à nação uma imagem positiva que perduraria ao longo de séculos.

O surgimento de grandes estúdios subsidiados pelo governo federal dos EUA não foram mera caridade. Foi através do cinema que o cidadão norte americano aprendeu e cultivou seu nacionalismo e, acima de tudo, seu ufanismo excludente que ajudou a transformar a portuguesa brasileiríssima Carmen Miranda numa cópia de si mesma ao longo dos seus anos de glória e derrocada.

Foi através da música (inteligentemente disseminada nos campos de batalha através da figura de cantoras e astros do cinema que eram levados a entreter os soldados), por outro lado, que ao redor do mundo artistas e não artistas se tornaram admiradores de uma pátria que deu ao mundo Elvis Presley e Janis Joplin, que criou nomes como Cole Porter e Irving Berlin, ou mesmo daria subsídio a autores como Bertold Brecht e Kurt Weill.

Foi através do governo de Roosevelt (1901-1909) que, a partir do início do século passado, o nicho teatral nova iorquino passou a se autoproclamar como a Broadway através de montagens de espetáculos que exaltavam o american way of life e os grandes musicais passaram a abandonar o tom burlesco.

Ao monetizar a Broadway para turistas, ainda na década de 1920, o governo norte americano transformou o teatro em sua terceira maior propaganda, mesmo que, após a Grande Depressão de 1929, os espetáculos passassem a abordar com contundência questões políticas e de diferenças sociais. Era a nação americana olhando para suas próprias feridas. Nada mais panfletário.

O mesmo se pode dizer da literatura, que ganhou contornos filosóficos a partir de publicações de nomes como Ernest e Zelda Hemingway, Scott Fitzgerald, Mark Twain, Virginia Woolf e Toni Morrison e assim fez da nação, também, um país letrado e culto, repleto de boas referências.

Fosse durante a propaganda militar ou ao longo das grandes crises financeiras, é impossível negar, os Estados Unidos da América se tornaram uma Nação graças a cultura das artes que ajudou a fomentar através de nomes que tornou mundialmente estelares, como Ethel Merman, Bob Fosse, Judy Garland, Frank Sinatra, Miles Davis, Sammy Davis Jr., Liza Minnelli, Stanley Kubrick, Andy Warhol, Madonna, Michael Jackson, Bette Midler, Barbra Streisand, Stephen King e uma série de nomes que, embora jamais se percam na história, provavelmente nunca estiveram na memória de Jair Messias Bolsonaro que, ao que parece, acredita que transformará seu país numa grande nação através única e exclusivamente da arte evangélica. Não há precedentes (e, espero, nem sucessores).

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